Agora eu não posso te ver,
agora que você não pode ver que eu estou aqui, não consegue sentir o meu
coração, os batimentos, a minha pulsação na noite quente do mormaço na cidade,
não pode me ver queimando por fora, não pode sentir o meu calor por dentro, não
pode sentir o meu vapor saindo do asfalto, a minha fumaça indo com o tempo e
invadindo o teu quarto.
Você não pode escutar os
meus passos ao me materializar, não pode ver as marcas deixadas pelos meus sapatos
sujos de lama no carpete sem cor do quarto, não pode ver a pena branca que eu
deixo no mesmo. Não pode sentir a minha
respiração em seu rosto enquanto mexo em seus cachos, não pode sentir a textura
áspera de meu casco.
Perdido em minha natureza ora
divina e angelical, ora demoníaca amaldiçoada, não sei se sou um anjo ou um súcubo,
apenas sei que você não pode me ver, enquanto dorme o sono dos tolos, você não
pode me ver ajoelhado em frente da sua cama, não pode ver o meu olhar, as mil
intenções contidas nele, você não pode ver a minha vontade, a vontade de entrar
em sua selva. Quero entrar na sua selva! Quero entrar com a minha língua, te molhar,
quero te borrar de batom! Os meus dentes, minha língua são a tipografia que
marcam a sua pele, escrevem na tua floresta, incendiaram Roma e fizeram de
minha vontade a arca em seu dilúvio.
Noé, a arca, Nero, Roma,
romã, o fruto com mel, que poderia ser do Éden, assim como eu, serpente de seu
jardim que me envolvo em suas pernas, sibilando baixinho, para não acordar a
floresta, insinuante a cada curva e úmido, eu subo, sentindo a textura da sua
pele, a maciez de suas coxas, deixando o meu rastro em vermelho, tatuado em
suas veias, sentindo o seu cheiro, querendo o teu gosto, querendo o teu eu mel.
Eu quero o caos de suas
pernas tremendo e molhando a minha barba, eu quero os meus lábios em tua flor,
eu quero os teus pelos, eu quero uma dose de você eu quero me embriagar de
você. Quero a pena e a tinta em minhas mãos, quero te desenhar guiado pelos
meus instintos, que em branco e preto, quero a cores, quero voltar no tempo,
quero aquilo de novo, quero rabiscar, quero errar, quero dormir em teus seios,
quero te acordar todas as noites, quero tudo e não posso nada.
Quero você! Quero você em
mim, me tocando, deixando rastro de saliva, quero você me olhando, quero você
me molhando, quero você acordada, quero você sã, quero você louca, quero você
sóbrea, quero você embriagada, quero você de quatro, quero você de madrugada.
Quero pintar em tua tela a noite a flor mais doce que ficou em meu paladar, quero
escrever com os meus tipos as noites mais loucas que eu ainda irei de provar.
Eu quero mais uma noite em
seu sofá, ou no sofá de sua tia, eu apenas quero, quero ser uma abelha em sua colmeia,
uma presa em sua teia, quero ser objeto de meu objeto, escravo de minha
escravidão, ser mais um acorde errado em sua música desafinada, acordar os
vizinhos com a nossa melodia, do silencio de nossa sinfonia após o telefonema
do porteiro, de marcar de amor às paredes do apartamento.
Eu quero mais uma marca de
sua topografia em meu corpo, dos arranhões delimitando as divisas, das mordidas
indicando as capitais, dos roxos chupões apontando as zonas percorridas de meu
corpo, da minha pele debaixo de suas unhas, dos fios de cabelos entre os seus
dedos, sendo prova do meu pecado em suas mãos.
Thales Mileto
Thales Mileto
"A vida só é quando eu sou"
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